LGPD SÓ EM 2022? OS IMPACTOS DE UMA (EVENTUAL) PRORROGAÇÃO

Ontem, dia 30/10/2019, foi apresentado pelo Deputado Carlos Bezerra (MDB-MT), o Projeto de Lei 5.762/2019, que tem como objetivo a prorrogação da entrada em vigor da LGPD para 15 de agosto de 2022. O inteiro teor do PL pode ser encontrado aqui e abaixo:

Como motivação do PL, o Deputado afirma que “apenas uma pequena parcela das empresas brasileiras iniciou o processo de adaptação ao novo cenário jurídico”. Além disso, destacou a morosidade de se instalar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que será responsável por “editar os regulamentos e procedimentos sobre proteção de dados pessoais e privacidade, que servirão de norte para balizar as ações das empresas de adequação à LGPD”.

Não podemos discordar dos argumentos lançados pelo Deputado Carlos Bezerra, uma vez que eles retratam a realidade, mas será que, caso essa prorrogação realmente aconteça, estaríamos diante de uma possibilidade de adiar também os planos de adequação dos agentes de tratamento de dados, principalmente empresas? Além disso, qual seria a mensagem passada pelo Brasil ao plano internacional, principalmente a países que já têm maturidade com relação à proteção de dados pessoais?

Antes de começarmos a analisar esses impactos, é importante lembrar que, caso o PL se torne efetivamente uma Lei, será a segunda prorrogação em um curto espaço de tempo. Isso porque, quando da sanção da LGPD, em agosto de 2018, o prazo inicial para que a regra do jogo começasse a valer seria o mês de fevereiro de 2020. Entretanto, após a edição da Medida Provisória 869/2018, que posteriormente foi convertida na Lei 13.853/2019, foram adicionados mais 6 (seis) meses para o início da vigência, passando para agosto de 2020. E, agora, surgiu a intenção de termos uma prorrogação por mais 24 (vinte e quatro) meses, passando para agosto de 2022.

Dito isso, passo a (tentar) responder às perguntas feitas no início do texto. E, logo de cara, apesar de encontrar um ponto positivo no PL 5.762/19 com relação ao fato de ele estipular uma data certa para a entrada em vigor da LGPD (15/08/2022), destaco que não me parece que uma eventual prorrogação da Lei funcione como uma espécie de carta branca para que as empresas simplesmente “engavetem” o tema da proteção de dados pessoais.

Explico: quem já me viu falar sobre o tema, principalmente sobre a LGPD, sabe que nunca gostei do discurso “sua empresa tem que se adequar à lei para não tomar uma multa de R$ 50.000.000”. Esse discurso, além de equivocado, tenta conscientizar pelo medo, e sinceramente não acho que esse seja o caminho.

De outro lado, empresas que estão se conscientizado e se adequando com o objetivo de ganhar um diferencial competitivo e sair na frente de seus concorrentes têm visto resultados extremamente positivos, principalmente ao firmar contratos com empresas estrangeiras que exigem um nível similar com relação à proteção de dados pessoais, como por exemplo as companhias europeias que estão sob o manto da GDPR.

Para essas empresas, se livrar (eventualmente) de uma penalidade não é o principal foco, bem como pouco importa se a LGPD entrará em vigor em 2020, 2022 ou 2100. O que elas querem é mostrar aos seus clientes e parceiros comerciais que estão efetivamente preocupadas com essa questão. E, muito possivelmente, serão essas empresas que comerão a maior fatia desse bolo chamado mercado em seus respectivos segmentos.

Em poucas palavras, o que quero dizer é: para muito além da LGPD com todas as suas penalidades, quem não se adequar, vai perder clientes e negócios valiosos. E isso independe da data de entrada em vigor da lei.

No plano internacional, tenho a impressão que uma eventual prorrogação da entrada em vigor da LGPD passará a mensagem que de o Brasil está preocupado com o tema, mas não muito. Do lado “político”, isso pode trazer efeitos negativos com relação à celebração de acordos comerciais com blocos de países, principalmente a União Europeia (dada a vigência da GDPR desde maio de 2018) e o Mercosul. Além disso, empresas estrangeiras que tenham a proteção de dados pessoais como um ponto nevrálgico pensarão duas vezes antes de trazer seus negócios para um país que tenha lei de proteção de dados pessoais sem qualquer eficácia.

Ademais, tenho receio que uma nova prorrogação na LGPD cause um efeito e uma sensação de que esse não é um tema tão importante, reduzindo o senso de urgência das pessoas e empresas com relação à proteção de dados pessoais. Mas, nesse ponto, ainda precisamos trabalhar nosso lado cultural, o que será tema de um próximo texto.

Isto tudo posto, respeitados todos os entendimentos contrários, tenho para mim que uma nova prorrogação na LGPD pode até parecer uma boa ideia no início, mas em uma análise um pouco mais profunda, percebe-se que seus efeitos podem não ser assim tão positivos.

Por fim, ainda que aceitemos a ideia de prorrogar (de novo) a vigência da LGPD, questiono (e provoco): será que às vésperas do dia 15/08/2022 (data pretendida para nova vigência), não seremos obrigados a ouvir esse mesmo discurso de que a adesão de empresas foi baixa e que o Poder Público não cumpriu seu papel em estruturar a Autoridade? Quem viver verá…

Sócio em Maldonado Latini Advogados. Especialista em Propriedade Intelectual e Novos Negócios e Mestrando em Direito e Tecnologia pela FGV Direito SP.

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