REGULARIZAÇÃO DE SOFTWARES COMO DISPOSITIVOS MÉDICOS (SaMD)

A evolução da indústria da tecnologia da informação nas últimas décadas foi marcada por grandes saltos tecnológicos, permitindo aos usuários leigos e profissionais realizar atividades, desenvolver projetos e atingir objetivos antes impensáveis. A tecnologia da informação cresce exponencialmente e saiu das telas dos computadores para os tablets, de lá para os celulares e smartwatches, finalmente chegando à Internet das Coisas (IoT). Na área dos produtos para a saúde não foi diferente. 

A rápida evolução da tecnologia nessa área, em especial nos anos 1990 em diante, implicou na criação de softwares cada vez mais funcionais e de uso amigável (user friendly), principalmente aqueles embarcados nos equipamentos, mas também os autônomos dedicados, por exemplo, ao cálculo da quantidade de radiação médica (ionizante) a ser aplicada em cada sessão de um tratamento radioterápico ou a quantidade e concentração de fármacos utilizados em quimioterapia. Podemos citar, complementarmente, os softwares embarcados nas próteses implantáveis e programáveis como bombas de infusão de insulina, marcapassos cardíacos, desfibriladores implantáveis, neuroestimuladores, entre outros. 

Com a evolução dos softwares nas suas diversas formas e aplicações, surgiu a natural necessidade das autoridades regulatórias, em todo o mundo, normatizarem o desenvolvimento, uso e comercialização dos softwares médicos. No Brasil, em março de 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 657/2022, que entrou em vigor no dia 1º de julho de 2022. A referida Resolução dispõe sobre a regularização de softwares como dispositivos médicos, popularmente conhecido como Software as a Medical Device (SaMD). Aqui, vale fazer uma conexão com a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD). A razão é simples: todos os softwares médicos, seja de uso diagnóstico ou terapêutico, se apropriam de dados pessoais sensíveis dos pacientes (i.e., dados de saúde). Além disso, a própria RDC nº 657/2022 trata do tema da segurança das informações em vários momentos, o qual também é um ponto de grande preocupação sob a ótica da LGPD. 

Portanto, ao tratarmos do tema regulatório dos softwares como produtos para saúde, não podemos nos eximir de levar em consideração aquilo que é tratado sob a ótica legal. Em outras palavras, a RDC nº 657/2022 e a LGPD caminham lado a lado. Com efeito, as empresas nacionais e estrangeiras que pretendam desenvolver e comercializar os softwares em consonância com a Resolução da ANVISA deverão levar em conta, além dos requisitos regulatórios, todas as obrigações que estão estabelecidas na legislação de proteção de dados pessoais (LGPD, CDC, Marco Civil da Internet etc.), assim como os usuários profissionais, como hospitais, clínicas, laboratórios clínicos e os profissionais da saúde. 

Contudo, é importante ressaltar que nem todos os softwares utilizados na área da saúde são considerados como produtos médicos, de modo que alguns deles não estão sujeitos à RDC nº. 657/2022. Nesse sentido, os softwares utilizados para bem-estar, gerenciamento administrativo e financeiro em serviço de saúde ou que processe dados demográficos e epidemiológicos sem finalidade diagnóstica ou terapêutica, estão dispensados de notificação ou registro na ANVISA. Outros casos que dispensam a regularização do software na ANVISA incluem: (i) a dispensa por listas publicadas pela própria Agência; (ii) softwares já embarcados em produtos já registrados ou notificados; e (iii) softwares desenvolvidos em instituições e utilizados internamente.

Por fim, vale ressaltar que, para fins regulatórios, não há diferença se um determinado software é vendido, instalado e utilizado de forma autônoma em um equipamento (Software as Medical Device – SaMD) ou se ele é licenciado e hospedado centralmente (Software as a Service – SaaS), de modo que, exceto nas hipóteses de dispensa acima mencionadas, o software deve ser submetido a registro ou notificação perante a ANVISA. 

Isto tudo posto, haja vista a constante e rápida evolução na área de softwares médicos, certamente os marcos regulatórios sofrerão aperfeiçoamentos futuros, assim como a legislação vigente, pois não se pode prever quais outras novidades virão por aí. Assim, é de suma importância contar com parceiros que possam auxiliar as empresas em seus processos de regularização, garantindo o sucesso das operações e a inserção dos softwares no mercado brasileiro.

Sócio em Maldonado Latini Advogados. Especialista em Propriedade Intelectual e Novos Negócios e Mestrando em Direito e Tecnologia pela FGV Direito SP.

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